Edifícios com estrutura de alvenaria tipo gaioleiro (1880 a 1930)
"O tempo passado sobre a data de ocorrência do terremoto fez esquecer as suas terríveis consequências, abrindo-se assim caminho a um novo tipo de construção que alastrou por Lisboa entre meados do século XIX e o princípio do segundo quartel do século XX. Esta nova solução perdeu por completo o antigo rigor construtivo, ao passar da gaiola para o gaioleiro". A grande concentração destes edifícios surge nas áreas de expansão urbana ocorrida neste período a Norte e Poente, com particular destaque para os eixos das "Avenidas de Ressano Garcia", Almirante Reis, Avenida da Liberdade, Avenida da Républica e Alameda.
A denominação de gaioleiro pretende traduzir a simplificação e as enormes alterações ao nível dos sistemas estruturais e construtivos, ocorridas após o sismo de 1755, em que se incluem o aumento da altura dos edifícios que rapidamente atingiram os 5 ou 6 pisos, acompanhado da deturpação da gaiola original, "em que alguns elementos de solidarização horizontal das paredes mestras, pura e simplesmente desapareceram". Para além disso é de referir ainda a circunstância de a mão-de-obra e os materiais empregues serem, na maioria dos casos, de qualidade inferior aos usados nos edifícios característicos do período anterior.
As alterações observadas deram origem a um outro tipo de edifícios, totalmente diferentes dos do período Pombalino, "caracterizados pela ausência da continuidade estrutural e tridimensional, onde raramente se encontram soluções adequadas para a ligação entre as estruturas das paredes de fachada, das paredes ortogonais e dos pavimentos".
A época entre 1880 e 1930 caracterizou-se fundamentalmente por uma grande expansão da cidade, quer pela criação de áreas urbanísticas de grande dimensão, em que se inclui por exemplo a Av. da Liberdade, quer pelo aumento da altura das construções, "como é o caso dos localizados na Baixa, que passaram a ter mais um ou dois andares, bem nítidos pela existência de diferentes beirais em vários edifícios". A agravar este aumento de porte dos edifícios contabilizou-se ainda a deterioração dos processos construtivos em prática no fabrico das paredes de alvenaria, acompanhada da sistemática redução da espessura das alvenarias ao longo da altura do edifício.
"Sintetizando, os edifícios com estrutura de alvenaria do tipo gaioleiro caracterizam-se pela existência de:
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Paredes de alvenaria classificadas em três categorias: paredes mestras, paredes resistente de tijolo maciço e paredes interiores de tabique. As primeiras são geralmente em alvenaria de pedra irregular, variando desde a pedra rija até aos calcários relativamente brandos muito usados no sul do País, argamassada com argila apresentando espessuras variáveis entre 0,90m ao nível do rés-do-chão e 0,50m no último piso e encontrando-se nas fachadas principal e posterior dos edifícios. As paredes resistentes de tijolo maciço apresentam espessuras compreendidas entre 0,15 a 0,30m dispostas a meia ou uma vez nas empenas e num ou outro local no interior do edifício. Finalmente as paredes interiores de tabique apresentam fraca resistência e uma espessura média de 0,15m, embora ao nível do rés-do-chão as paredes divisórias sejam resistentes. A solidarização das paredes interiores era conseguida sempre que uma prancha da periferia do pavimento embebia na parede de alvenaria;
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Caboucos cheios com alvenaria de pedra rija, com uma largura praticamente dupla das paredes que suportam e a altura necessária para encontrar terreno firma;
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Pavimentos de madeira, com estrutura constituída por barrotes assentes directamente sobre as paredes, com alguns centímetros de entrega, e dispostos na direcção de menor vão;
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Sistemas de travamento lateral das paredes, algumas vezes por intermédio de ferrolhos metálicos"
Desde meados do século XIX começaram a surgir na parte posterior destes edifícios as marquises, onde se instalavam uns compartimentos de dimensões reduzidas para a colocação de uma sanita. "A construção destas marquises era feita segundo tecnologias variadas mas, em geral, correspondiam ao prolongamento da estrutura das cozinhas, através da utilização de elementos metálicos em vigas e pilares". "Das tecnologias utilizadas salientam-se as mais comuns:
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as paredes de empena prolongam-se para além da parede da fachada posterior e o vão deixado entre as empenas é vencido com uma viga metálica com suporte a meio vão dado por um pilar metálico;
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a marquise é totalmente saliente do edifício e conseguida através de um sistema de pilares e vigas metálicas de bordadura. O pavimento da zona da marquise começou por ser em madeira, mas devido á rápida deterioração deste material causada pela instalação dos sanitários, passou a ser abobadilha. A referida abobadilha pode vencer vãos entre 3 a 5m e era constituída por vigas I de 20cm de altura e enchimento de tijolo em dupla camada colocadas a uma e meia vez".
Com o passar dos anos assistiu-se a uma intensa degradação das marquises, quer devido à circulação das águas, quer devido ao facto de suportarem cargas muito superiores às inicialmente previstas, ao serem utilizadas como arrecadações. "A falta de protecção eficaz dos elementos metálicos contra a corrosão agravou, de um modo geral, o estado de conservação da zona posterior destes edifícios"..
Numa fase mais tardia da utilização das marquises, surgem as escadas exteriores totalmente em estrutura metálica agarradas à estrutura da marquise. A estrutura da escada era constituída por 4 prumos de ferro onde descarregavam os lanços da escada ligados alternadamente por um patamar e ao pavimento da marquise. Estas estruturas apresentavam grande vulnerabilidade à corrosão, deteriorando-se facilmente com o passar do tempo.
A par das marquises, surgiu ainda a implantação das primeiras pias de despejo nas cozinhas que, em conjunto com as sanitas provocaram, em alguns casos e passados todos estes anos, um estado apodrecimento e degradação adiantados na estrutura de madeira dos pavimentos, devido a roturas ou outras anomalias nas tubagens de chumbo utilizadas então.
Um grande número de construções do tipo gaioleiro colapsou durante a fase construtiva ou, pior ainda, após estarem ocupados. A época marcada por este tipo de construções teve o seu declínio com o advento de um novo material: o betão armado (A emergência do betão armado e o declínio das alvenarias). Os edifícios tipo gaioleiro foram construídos até ao primeiro quartel do século XX, altura em que foi introduzido definitivamente o betão armado na construção, sendo o período de transição caracterizado pelas estruturas mistas de alvenaria e betão ou metálicas.
O ferro aparece nos finais do século XIX como material utilizado em vigas que permitia vencer vãos maiores e como elementos verticais de suporte. Era usado como viga no rés-do-chão, na ampliação do espaço útil da habitação à custa de marquises e como suporte da casa das máquinas dos elevadores. As escadas, com 4 lanços, deixavam espaço vertical para a passagem de elevadores em edifícios com mais de 4 pisos ou para iluminação natural em edifícios de menor envergadura. A estrutura dos elevadores obrigava a utilização de diversos elementos metálicos tanto ao nível dos próprios pisos como na casa das máquinas. Os elementos metálicos irão persistir por um longo período até serem totalmente substituídos por elementos de betão armado.
"Na fase final do período gaioleiro os edifícios apresentavam grande áreas de implantação, possuindo grandes profundidades. Face à necessidade de iluminação e arejamento nas zonas interiores, surgiram os saguões na zona central ou uma reentrância na zona da empena".
Interessa ainda referir outro tipo de habitação que surge neste período a par do desenvolvimento industrial do último quartel do século XIX, e que constitui em bairros ou vilas operárias. Estes encontravam-se localizados preferencialmente em zonas bem limitadas da cidade, como seja Alcântara, Xabregas, Graça, Campo de Ourique etc, em que predominava a habitação em banda com edifícios corridos. Os acessos por escada metálica para os dois pisos que em geral existiam eram únicos para o conjunto de edifícios, sendo a entrada feita pelas traseiras.
"Os gaioleiros sofrem actualmente de profundos desajustes face às exigências da função habitar, encontrando-se muitos em estado de acentuada degradação. Neste sentido, os que restam continuam nos dias de hoje a apresentar grandes problemas de segurança para os seus utilizadores" (Resistência e vulnerabilidade sísmica dos edifícios).
Galeria de imagens (em construção)
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