A gaiola como génese da construção anti-sísmica
"A ideia da construção anti-sísmica baseada numa estrutura de madeira revestida exteriormente por alvenaria de pedra está intimamente relacionada com a experiência existente na construção naval, na época exclusivamente de madeira.
Com efeito e tendo por base o excelente desempenho dos navios face Às acções dinâmicas transmitidas pelo mar, os engenheiros militares intervenientes no processo de reconstrução da baixa estabeleceram uma analogia entre o comportamento das embarcações e o comportamento de um edifícios durante a ocorrência de um sismo. Esta analogia traduzia-se no facto de ambas as estruturas estarem sujeitas a acções actuantes em meios agitados, absorvendo parte das acções e dos deslocamentos a que estão sujeitas.
Em relação ao excelente comportamento dos barcos, não havia dúvida que tal resultava da existência de uma estrutura tridimensional de madeira formada por peças deformáveis e resistentes à tracção e à compressão, e à forma como eram executadas as ligações entre os vários elementos, permitindo que funcionassem como um todo articulado entre si.
Por outro lado e devido à sua fragilidade, as alvenarias simples tinham apresentado grande dificuldade em dissipar a energia transmitida pelo terremoto de 1755, apresentando em simultâneo reduzidas capacidades de resistência à tracção e á compressão, para além do facto de as ligações entre as várias paredes interiores e exteriores ser deficiente e prejudicada pelas diferentes espessuras envolvidas. No entanto as alvenarias simples tinham tido um bom desempenho face à acção do fogo.
Assim, e sendo estes dois materiais de construção, a madeira e a pedra, os mais representativos da época e de certa forma complementares, a sua associação foi inevitável concebendo-se então paredes resistentes mistas, formadas por alvenaria armada com bielas de madeira, retirando-se do efeito conjunto os proveitos que os materiais individualmente não tinham conseguido apresentar (boa capacidade de resistência a esforços de tracção e flexão auxiliada por adequadas ligações entre peças de madeira, boa capacidade de resistência á compressão e boa capacidade de resistência ao fogo).
A gaiola é assim considerada uma invenção do urbanismo pombalino, embora não se conheça nenhum documento da época que especifique a sua constituição ou estabeleça a sua obrigatoriedade".
Os edifícios Pombalinos representam um marco importante na engenharia sísmica porque apesar de aparentarem ser de alvenaria, são constituídos por uma estrutura tridimensional de madeira no seu interior (Gaiola Pombalina), que não é visível por se encontrar embebida nas paredes de alvenaria, mas que permite a absorção de parte das acções e deslocamentos quando da ocorrência de um sismo A concepção original da estrutura da gaiola é salvaguardar pessoas e bens no interior do edifício, sendo suposta a manutenção dos seu equilíbrio, mesmo na eventualidade de ocorrência de destacamento e queda da alvenaria das fachadas.
Construção da gaiola Pombalina
"A armação de madeira utilizada nas paredes mistas dos edifícios da Baixa pombalina, a gaiola ou esqueleto, é constituída por um elevado número de peças verticais, horizontais e inclinadas, devidamente ligadas entre si, formando as cruzes de Santo André que constituem um sistema sólido e com grande estabilidade. Nas paredes interiores que fazem as grandes divisões dos edifícios, aquela amarração designa-se por frontal, termo que pode também ser aplicado à própria parede.
Seguidamente apresenta-se a disposição mais comum dos elementos constituintes de uma gaiola, cuja construção se iniciava a partir do momento que os alicerces das paredes atingiam o nível do terreno exterior ou, na maioria dos casos, a partir da estrutura de cantaria do rés-do-chão..
Ao longo das paredes perpendiculares aos vigamentos dos sobrados assentavam-se as vigas A, denominadas frechais, com secção aproximada de 0,10 x 0,14 m, ficando recolhidas cerca de 0,05 m em relação ao paramento interior da parede de alvenaria a construir. Esta dimensão correspondia à espessura dos prumos B, que eram pregados na face externa dos frechais, como se mostra em A'. Estes prumos definiam os vãos das paredes e, quando a distância entre eles era superior a 0,90 m, colocavam-se outros prumos intermédios, ligados como os anteriores aos frechais de dois andares consecutivos. A altura dos prumos atingia por vezes o pé-direito de mais de um piso do edifício. Os prumos eram contraventados por trevassanhos, C, na parte de armação correspondente aos nembos. Por sua vez os trevassanhos fixavam-se nos cantos, ou faces mais estreitas, dos prumos virados para o exterior, através de um entalhe a meia madeira e pregos-de-telhado pregos quadrados com 4,5mm de lado e comprimento de 4'' (1''=2,54cm).
As vergas, D, e os peitoris formavam o contraventamento horizontal na parte referente aos vãos. Contudo, os peitoris apenas eram empregues nas paredes de tardoz e nas empenas, quando feitas em forma de frontal. Os pendurais, p, ligavam as vergas ao frechal imediatamente superior, conforme se representa nos pormenores B' e C'. As vergas, v, representadas no pormenor B', fixavam-se aos prumos por meio de orelhas derrabadas com malhete, virados para o interior do edifício, nos cantos dos prumos, cuja oscilação era impedida por travadouras, t, feitas de costaneiras ordinárias pregadas ao lado de dentro da gaiola, e t', fixas ao vigamento do sobrado. Estes elementos eram construídos em conjunto com a parede.
Previamente à sua colocação, faziam-se nos prumos os necessários entalhes para a ligação dos frechais e consolidação das ligações de todos os elementos referidos.
Quando ocorria a diminuição de espessura das paredes de uns andares para outros, por meio de ressaltos, encastravam-se entre duas vigas, v, os troços de vigas, C, designadas por chincharéis, sobre as quais assentavam os prumos do novo pavimento que, na parte superior, se ligavam ao frechal, r, do pavimento imediato.
Sobre o vigamento do sobrado do último pavimento assentava-se o contrafrechal, EE, no qual apoiavam as varas da etsrutura (madeiramento) do telhado.
Para dar solidez adequada à gaiola empregavam-se habitualmente prumos com secções de 0,14 ou 0,15 m por 0,08 a 0,10 m. No caso de serem feitas com tábuas de casquinha, de um fio ao baixo, os prumos tinham secção de 0,11 x 0,075 m2. Estas meias tábuas também se utilizavam como travadouras, embora se recorresse com maior frequência a barrotes com 0,14 x 0,08m2, ou tábuas de pinho da terra, para esse efeito.
Os trevassanhos e as vergas tinham em geral uma secção de 0,14 x 0,08m2 e os pendurais de 0,10 x 0,07m2.
Nos pontos de maior concentração de esforços era habitual reforçarem-se as ligações entre as peças de madeira com cintas de ferro. A ligação entre a gaiola e a alvenaria era conseguida por meio de peças de madeira, m, designadas por mãos, solidamente emalhetadas em diferentes alturas dos prumos e nos travessanhos.
Quando o frechal atravessava um vão muito grande, recorria-se a um sistema de degradação de cargas. Com efeito para evitar a deformação por flexão do frechal devido à carga sobre ele aplicada, esta era degradada através de um sistema constituído por um reforço designado por boneca, e por escoras transmitindo assim os esforços para os respectivos prumos.
Nos casos raros em que não se utilizava a gaiola na construção das paredes, eram introduzidos na alvenaria elementos de madeira, designados por tacos, que ficavam à face do paramento interior sobre os quais se pregavam diversos elementos, como os alizares, rodapés, etc., que deviam estar fixos às paredes".
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